Com uma minuciosa análise dos efeitos da pandemia da Covid-19 no Sistema Financeiro Nacional (SFN), o Banco Central (BC) divulgou o Relatório de Estabilidade Financeira (REF) referente ao primeiro semestre de 2020. Já anteriormente bem provisionado e com nível elevado de liquidez, a estabilidade do SFN e as condições de resiliência foram reforçadas com a implementação de medidas emergenciais. Entretanto, os desdobramentos requerem atenção, em especial à redução nos auxílios emergenciais e a trajetória dos endividamentos das famílias e empresas, com o final da postergação dos encargos e uma possível materialização do risco de crédito.
O crédito concedido para pessoas jurídicas (PJ) acelerou substancialmente, graças à demanda das grandes empresas (GEs) no reforço de seus níveis de liquidez. No segundo semestre, em razão da operacionalização de programas governamentais de incentivo às Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs), os empréstimos para este segmento devem acelerar. Já para as famílias (PF), houve arrefecimento com a deterioração das condições no mercado de trabalho e a queda na confiança do consumidor, principalmente nas concessões para as modalidades “financiamento de veículos” e “cartão de crédito”.
Na mitigação dos impactos do risco de crédito, o sistema apresentou elevados patamares de provisões para a cobertura dos Ativos Problemáticos (APs). Para PJ, as repactuações com extensões de prazos adiaram a piora nos indicadores, a preocupação reside na evolução das obrigações ao final das carências. Com volumes elevados, e em ascensão, de APs, a melhora do indicador deve ser lida com cautela, estando relacionada com expressivo aumento da carteira. Já para PF, o comprometimento de renda das famílias aproxima-se do nível máximo observado em 2015. Aproximadamente ¼ do estoque de crédito para PF foi repactuado em razão da pandemia (mais de 50% no financiamento imobiliário). Como no crédito para PJ, a materialização do risco está sendo postergado, dado que não há garantia que os devedores consigam honrar os termos dos novos acordos.
Por causa dos aumentos de provisão com a deterioração na qualidade da carteira de crédito, a rentabilidade do sistema reverteu a sua trajetória de crescimento. Contudo, permanece elevada, não representando risco à estabilidade financeira e permitindo a manutenção de níveis adequados de capital e de provisionamento. Em termos prospectivos, os efeitos ficarão mais claros com a remoção das medidas emergenciais. A margem bruta foi impactada pela redução da taxa de juros do maior volume de concessões para PJ de GEs, portfolio que ostenta menor rendimento que as carteiras às MPMEs e às PFs, sujeitas a maiores spreads. A pandemia provocou significativo recuo nas receitas de serviços, entre março e maio. Entretanto, mesmo com a recuperação da atividade, por mudanças estruturais, continuarão pressionadas pelo aumento da concorrência e o novo nível de taxas de juros.
As medidas emergenciais foram importantes para preservar a solvência e a resiliência do sistema no enfrentamento dos efeitos adversos, de modo que os índices de capital permanecem bastante superiores aos limites regulamentares, apesar da queda do Índice de Basileia (IB), motivada pelo aumento da carteira de crédito e da depreciação do real, que elevaram os ativos ponderados pelo risco. Adicionalmente, houve expressiva redução do lucro líquido distribuído no semestre, por causa das restrições impostas pelo CMN para a preservação do capital dos bancos no exercício de 2020.